Em primeiro lugar é preciso salientar que o objetivo deste texto não é fazer apologia a este governo, mas sim refletir sobre o momento histórico vivido pelo Brasil frente ao restante do mundo.
Por muitos anos fomos um país de segunda categoria, chamado de terceiro mundo, países em desenvolvimento, quiçá países emergentes ou algo que o valha. Certo é que retratamos em nossa história um discurso de país capitalista, como se fizéssemos parte de um clube, sem que as benesses deste sistema alcançassem a maioria da população. Uma fraca resistência de esquerda, em suas mais diferentes matizes, também esteve sempre presente, auxiliando a aparar alguns arroubos do chamado capitalismo selvagem. Denunciar a conjugação da exploração econômica e humana, tanto nas situações do trabalho escravo, quanto na escassez de direitos por parte dos trabalhadores e a expansão das políticas chamadas "sociais", é um mérito inequívoco do trabalhismo nestas terras. Acrescente-se a isto, um nível de violência urbana e rural, claramente arraigada à condição de classe, faixa etária juvenil, masculina e afro descendente.
Eles elementos, amalgamados por uma cultura múltipla e riquíssima na criatividade, pluralidade e alegria, compõe um quadro minimalista de nossa condição.
Ocorre que os ventos sopram a nosso favor. A relativa estabilidade econômica, construída à duras custas da qualidade de vida dos trabalhadores dá a base para mudanças em diferentes âmbitos desta sociedade. A retomada, ainda que lenta, dos investimentos produtivos em detrimento da especulação financeira nominal, ou fantasma econômico, desponta como um desdobramento crucial neste processo. Na sequência, um investimento visível em políticas sociais, esta sim com a digital da atual gestão federal. Destaques para as políticas de transferência de renda e assistência social, e também para o início do longo processo de qualificação da educação nacional e resgate do SUS, ainda que o caminho seja maior pela frente do que a parte já trilhada. Na mesma balada a criação das bases de uma nova segurança pública, a segurança cidadã, apesar de ainda muito distante da prática dos órgãos de repressão.
Os investimentos em infra-estrutura urbana e na habitação, bem como a valorização da agricultura familiar, mesmo que contraditória com o apoio público à agroindústria predatória, abrem perspectivas sustentáveis para um ciclo de desenvolvimento.
O acervo de recursos naturais, apesar de toda a devastação sofrida em décadas de descaso, representa uma condição privilegiada no mundo. Quem pode desfrutar tamanha diversidade, potencialidade energética e distribuição geográfica, como a nossa? Some-se a isso a descoberta e desenvolvimento tecnológico para exploração de petróleo do pré-sal e, da mesma forma, nossos inigualáveis mananciais de água potável e condições para geração de energia, hidroelética, eólica, solar e a bioenergia. Isto tudo oferece insumos sem precedentes, para qualquer projeto de desenvolvimento.
No ambiente internacional gozamos de um prestígio inédito. O prestígio do presidente da república tem por fundamentos a visibilidade de nosso potencial geo-estratégico. O pleito de uma cadeira no conselho de segurança da ONU, apesar da queda de importância desse organismo, é não só legítimo como, ouso dizer, inevitável mais cedo ou mais tarde, dada a nova configuração do cenário internacional. São diversas as análises que nos colocam como “a bola da vez”, ou a próxima força significativa no jogo dos estados nações. Além dos diferentes aspectos já apontados, resta ainda a expansão do mercado consumidor, como um dos principais recursos a nosso favor, na conjuntura econômica mundial. Há países em que isto é praticamente residual, especialmente no chamado primeiro mundo, a Norteamérica e a Europa ocidental em especial. Sem expansão do consumo não se sustenta a expansão da produtividade e a ciranda financeira, elementos essenciais ao sistema capitalista.
Diante deste contexto, aqui apenas esboçado, o desafio maior a meu entender, será nossa capacidade de pensar grande. Vamos ver, portanto, alguns aspectos do que isso significa.
Vínhamos em um percurso de várias gerações derrotadas, do ponto de vista político e econômico. A concentração de renda continuada indica o empobrecimento, também constante, de uma grande parcela da população, ampliando uma base social imensa, histórica condenada à condição de indigência. A decadência de uma classe média e a estagnação dos “remediados”, isto é, as famílias pobres mas que sempre pensaram fazer parte da classe média, por ter uma renda estável, mesmo que baixa, e usufruírem alguns serviços públicos, não alcançados por quem se situa abaixo disto na escala social. São famílias trabalhadoras que se sentem acomodadas em sua inserção no sistema produtivo, a ponto de apinarem de forma conservadora do ponto de vista político. Estes acreditam no mito do “fazer-se pelo trabalho”, também chamado de self made man, ilustrados por estrelas empresariais, desportivas e artísticas. No cenário político, o enfraquecimento dos movimentos sociais tem por precedentes o esmagamento das organizações civis durante a ditadura, o frustração em movimentos de massa, como as diretas já, a cooptação de muitas lideranças pelos instrumentos institucionais e pelos governos civis em diferentes níveis.
Uma pequena parcela enxerga, mesmo que de forma parcial e embaçada, sua inserção no processo social e produtivo, e se organiza para formular algum tipo de transformação, ainda que setorial, reformista ou vaga. Estes sofreram derrotas históricas que restam cicatrizadas em nossa cultura, revelados por uma descrença e passividade diante das mais constrangedoras manobras conservadoras. A apropriação do poder judiciário brasileiro pela elite econômica e por quadrilhas despudoradas, assim como o domínio dos meios de comunicação em massa pelo mesmo grupo de interesses, não encontra resistência à altura em quaisquer níveis de níveis de atuação, ressalvadas as raras e louváveis exceções, tanto num quanto no outro campo.
Não aprendemos a manejar nosso próprio futuro, sempre delegado aos déspotas de plantão, sejam civis ou militares, agravados pela truculência e ignorância destes últimos.
Aos sermos convocados pela história a apresentar um direcionamento para a nação e, conseqüentemente, interferindo na conjuntura mundial, nos mostramos ainda incapazes de assumir tal responsabilidade. Poucos de nós dedicaram suas energias a pensar o futuro com vigor, em suas áreas de atuação. Ocupados que sempre estivemos, em garantir a sobrevivência pessoal, a manutenção de seu posto no mercado de trabalho ou anestesiados pelas mais diversas formas de entretenimento, nos vemos diante do novo sem as ferramentas para enfrentá-lo. Mais ainda, isto precisa ser colocado tanto no plano tecnológico e infra-estrutural, quanto no plano psicológico, em que precisamos nos sentir sujeitos e capazes de manejar nossa história. È mais que coragem para agir, é atribuir a si a legitimidade do ato e reconhecer as condições objetivas para a ação.
Pensar grande é uma forma metafórica de nos referirmos a este posicionamento. Tomar como preocupação individual e coletiva os problemas que afligem grandes contingentes populacionais ou que se situam estrategicamente no rumo buscado por nós mesmos. As mais diferentes formações intelectuais e tecnológicas, ofícios de diferentes níveis de exigência em termos de escolaridade, são todos requisitados se verdadeiramente quisermos abraçar uma condição superior à que estivemos submetidos até então. Não significa, necessariamente, competir com quem quer que seja, ainda que interesses conflitantes certamente vão nos contrapor no caminho. Pensar e Fazer melhor, mesmo parecendo um slogan de uma campanha piegas, é uma máxima necessária às mais diferentes formas de atuação social e profissional.
Se estamos prontos para esse desafio? Creio, lamentavelmente, que não. Se vamos, ao menos desempenhar, mesmo que de forma frágil, este papel? Nutro a esperança e aposto todas as minhas forças para que isso aconteça, até porque este pode ser o sentido mais rico da vida de nossas gerações. A pretensão transformadora de superação e a generosidade humana me parecem as características mais valiosas tanto nos indivíduos quanto nas nações. Não podemos afirmar com segurança que os temos mas podemos nos empenhar para que isso aconteça, como é o caso desta provocação reflexiva. Espero que nos faça pensar a todos!
3 comentários:
Acredito que é isto que o atual presidente, que se comunica muito bem com as massas, quer dizer quando fala que precisamos deixar de ter "complexo de inferioridade". Mas não basta só falar. Como o autor escreveu, é preciso investir pesado em educação, em todos os níveis. Essa educação passa pelos meios de comunicação, que chegam à todas as camadas da população. Enquanto os grandes grupos de mídia continuarem a passar os "big brothers" em horário nobre e transmitir os bons programas às 05:00h, a hipnose não se quebrará. Tudo que se falar ao contrário, como agora, será taxado de "censura".
Abrako e parabéns!
Gegê Malvadeza
Acredito que é isto que o atual presidente, que se comunica muito bem com as massas, quer dizer quando fala que precisamos deixar de ter "complexo de inferioridade". Mas não basta só falar. Como o autor escreveu, é preciso investir pesado em educação, em todos os níveis. Essa educação passa pelos meios de comunicação, que chegam à todas as camadas da população. Enquanto os grandes grupos de mídia continuarem a passar os "big brothers" em horário nobre e transmitir os bons programas às 05:00h, a hipnose não se quebrará. Tudo que se falar ao contrário, como agora, será taxado de "censura".
Abrako e parabéns!
Gegê Malvadeza
Parabéns Célio, um texto deslumbrante e ousado, atacou bravo a nossa inconsciência apolítica...
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