domingo, 31 de agosto de 2008

Manuel Bandeira - imperdível!!

Manuel Bandeira é um daqueles poetas que muitos têm vergonha de gostar. Um clássico, sem dúvida, mas menos prestigiado do que Drummond ou Mário Quintana na atualidade. Atormentado com a pneumonia que no início do século XX era fatal, Manuel Bandeira fez de sua vida uma poesia, que só terminou aos 82 anos, em 1968. Aqui ele faz seu auto-retrato. A humanidade com a qual se pinta, nos faz procurar um olhar para si com crueza similar. Afinal, quem se descreveria desta forma. Quem exporia suas víceras como forma de se afirmar? Que medo haverá depois de escrachadas suas fragilidades? Restarão as virtudes, qual fênix, que faz brotar de si a nova vitalidade. Vamos ao poema.....


Auto-retrato

Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;

Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico* profissional.

(Manuel Bandeira. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1983. p. 395.)

(*) tísico=tuberculoso

A Guernica de Picasso em 3D

Uma das maravilhas da arte é a capacidade de fazer pensar. Picasso conseguiu isso ao pintar a Guernica em 1937, quando a Espanha vivia uma sangrenta guerra civil. Tive a honra de ver pessoalmente esse imenso quadro. É cruel ao demonstrar em suas imagens distorcidas o quanto somos mesquinhos e sádicos. Pobre seres humanos!
Com a aceleração tecnológica é razoável que o quadro não gere hoje o mesmo impacto da época, exceto para quem se disponha a se sensibilizar com a arte, o que tem sido cada vez mais raro. Um grupo de artistas, armados com as ferramentas tecnológicas de hoje, recriou o quadro em 3D, acopanhado de uma música igualmente cruel, e conseguiu para ressucitar sua força aos olhos mais brutos. A dica saiu no Blog do Nassif, mas reproduzo aqui, tentando multiplicar a emoção. Clique aqui

sábado, 9 de agosto de 2008

A Doação Casada e o FIA

Uma das discussões importantes que foi tratada no seminário do Fórum DCA diz respeito às doações incentivadas do imposto de renda para o Fundo da Infância e Adolescência (FIA). Estamos em um momento extremamente importante deste debate, que já dura anos. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, vai regulamentar esta questão e está com uma resolução em debate público até o final de agosto. Clique aqui para ler a íntegra da proposta de resolução.
Infelizmente a posição da maioria dos conselheiros ainda é favorável a esta forma de prostituição dos Conselhos de Direitos. Esta é uma questão delicada e exige uma discussão atenta. No evento realizado em Curitiba nesta semana, o Fórum DCA de Santa Catarina expressou sua posição contrária e os Fóruns do RS e PR foram favoráveis, ainda que pretendam aprimorar a regulamentação.
A história, em síntese é a seguinte: O fundo é responsabilidade dos conselhos de direitos. Estes são compostos paritariamente por representantes do poder público e das entidades vinculadas ao tema, em cada âmbito de governo. Para escolher estas entidades, há uma assembléia do Fórum DCA. Os recursos dos tais fundos são compostos por verbas do próprio poder executivo, de multas por crimes e infrações administrativas cometidas contra os direitos e, ainda, por "doações incentivadas" do imposto de renda. Neste último mora a questão em debate.
Pessoas físicas podem depositar no FIA até 6% de seu imposto devido e pessoas jurídicas até 1% do imposto devido. Vale frisar, do "imposto devido", isto é, a expressão doação não é a mais adequada, melhor seria dizermos, "destinação". A lei, entretanto, usa a expressão doação incentivada.
A decisão sobre a utilização desta verba deve ser do conselho, que deve ter sido democraticamente constituído e é composto por pessoas supostamente capacitadas para a função.
Ocorre que muitas entidades procuram diretamente empresas em busca de doações e estas querem fazê-lo sem que isso saia do seu bolso. Por isso querem que o recurso passe pelo fundo, apenas para gerar a dedução integral do valor, no imposto devido da empresa. Em síntese, querem doar com o dinheiro dos outros, neste caso, dinheiro público!
Nem entremos nos interesses escusos que muitas vezes motivam essas doações. Mesmo que hajam os mais honestos interesses, porque motivos reconheceríamos o direito de um empresário direcionar o uso de recursos que não seriam seus? É o conselho que tem esse papel!
Alegam, os defensores desta modalidade, que essa é a forma de obterem recursos em seus fundos, que do contrário não conseguiriam. Esse argumento, que é verdadeiro, é a prova de que se trata de prostituição! Vários lugares, quando começaram as doaçães casadas passaram a ter umm saldo altíssimo em seus fundos, que antes não tinham. Há entidades que contratam equipes para captar recursos nas empresas, usando o canal dos conselhos através deste sistema.
Há diversos problemas nisso, vou abordar agora apenas alguns deles. Seguindo este modelo, as entidades mais bem estruturadas, com equipes bem montadas e com contatos com as elites econômicas, obterão mais verbas e continuarão crescendo. Aquelas que estão em maior precariedade, nem equipe qualificada tem, mas realizam um trabalho sério nas comunidades, jamais receberão recursos. O conselho avalizaria essa injustiça!
Alguns propuseram, e a resolução do CONANDA contém essa proposta, uma meia sola: o conselho reteria um percentual (20 ou 30%) para fazer o uso que bem entenda e com isso beneficiaria as entidades mais precárias. Essa é uma situação patética! Parece o argumento usado uma vez pelo Paulo Maluf em defesa da pena de morte para o estupro seguido de morte, quando ele disse a pérola: "Quer estuprar, estupra, mas não mata!"
A proposta do CONANDA contém ainda uma sistemática pela qual o conselho elaboraria um documento com as linhas de ação prioritárias e, baseadas nele, as entidades elaborariam projetos. Os projetos que atingissem determinado grau de qualidade e atendessem ao critério do conselho, receberiam a "chancela" para captar recursos na iniciativa privada, aos moldes das leis da cultura. Essa é apenas a sofisticação do mesmo processo. Na cultura já uma lástima, vamos repetir o erro no FIA? Vejam a dificuldade que tem um grupo cultural iniciante para elaborar o projeto e conseguir um selo da lei Roanet e depois mendigar recursos nas empresas. Provavelmente não conseguirão, apesar da qualidade e da importância do que façam. O empresário está com o poder de escolher a alternativa cultural que será beneficiada com recursos que não são seus, são públicos. Depois disso observem a facilidade de qualquer ator global para obter recursos via lei Roanet. Independente da qualidade do trabalho destes, é inegável que dará muito mais visibilidade ao apoiador, que é seu objetivo. Fazer isso com projetos sociais é um crime gravíssimo que não pode ser tolerado!
Não estou me referindo a eventuais desvios que tanto uma como outra forma podem ter. Trata-se do próprio modelo que legitima a interferência da iniciativa privada numa decisão pública a ser financiada com verba pública. Se o empresário quiser apoiar um projeto, ou uma entidade específica, que o faça e isto deve ser bastante valorizado. Ocorre que deve fazê-lo do próprio bolso e não com o recurso público!
É lamentável que o CONANDA e muitos outros conselhos se deixem seduzir pelo aceno da sereia da doação casada e abram mão do poder que legitimamente lhes foi outorgado. Definir linhas de ação e prioridades é só o começo do processo. Os conselhos não podem ter indicações, direcionamentos, carimbos ou quaisquer formas de interferência na gestão do FIA. Devem respeitar os parâmetros legais da probidade, transparência e impessoalidade sem jamais abrir mão de exercer esse poder! Doação casada é prostituição!

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Forum DCA - Encontro Regional Sul

As entidades não governamentais, sintonizadas com as atuais perspectiva da cidadania, se organizam em fóruns. No caso da Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente esta articulação se chama Fórum DCA. Há Fórum no âmbito nacional, nos estados e deveria existir nos município, apesar de que neste nível encontram-se graves fragilidades. Isto não equivale a dizer que nos demais este processo seja simples. Há altos e baixos permanentes, seguindo o ritmo próprio dos fazeres políticos. Como diz uma integrante do Fórum DCA do Rio Grande do Sul, o fórum nunca morre já que é por característica permanente, mas muitas vezes ele dorme por um tempo.
Nestes dias 5, 6 e 7 de agosto estão reunidos em Curitiba um grupo de integrantes dos fóruns dos três estados do sul, em encontro organizado pelo Fórum Nacional. além do intercâmbio das experiências, este encontro pretende aprofundar as discussões sobre os temas do momento.
Daqui a pouco teremos mais um post com o conteúdo destes debates.