sábado, 9 de agosto de 2008

A Doação Casada e o FIA

Uma das discussões importantes que foi tratada no seminário do Fórum DCA diz respeito às doações incentivadas do imposto de renda para o Fundo da Infância e Adolescência (FIA). Estamos em um momento extremamente importante deste debate, que já dura anos. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, vai regulamentar esta questão e está com uma resolução em debate público até o final de agosto. Clique aqui para ler a íntegra da proposta de resolução.
Infelizmente a posição da maioria dos conselheiros ainda é favorável a esta forma de prostituição dos Conselhos de Direitos. Esta é uma questão delicada e exige uma discussão atenta. No evento realizado em Curitiba nesta semana, o Fórum DCA de Santa Catarina expressou sua posição contrária e os Fóruns do RS e PR foram favoráveis, ainda que pretendam aprimorar a regulamentação.
A história, em síntese é a seguinte: O fundo é responsabilidade dos conselhos de direitos. Estes são compostos paritariamente por representantes do poder público e das entidades vinculadas ao tema, em cada âmbito de governo. Para escolher estas entidades, há uma assembléia do Fórum DCA. Os recursos dos tais fundos são compostos por verbas do próprio poder executivo, de multas por crimes e infrações administrativas cometidas contra os direitos e, ainda, por "doações incentivadas" do imposto de renda. Neste último mora a questão em debate.
Pessoas físicas podem depositar no FIA até 6% de seu imposto devido e pessoas jurídicas até 1% do imposto devido. Vale frisar, do "imposto devido", isto é, a expressão doação não é a mais adequada, melhor seria dizermos, "destinação". A lei, entretanto, usa a expressão doação incentivada.
A decisão sobre a utilização desta verba deve ser do conselho, que deve ter sido democraticamente constituído e é composto por pessoas supostamente capacitadas para a função.
Ocorre que muitas entidades procuram diretamente empresas em busca de doações e estas querem fazê-lo sem que isso saia do seu bolso. Por isso querem que o recurso passe pelo fundo, apenas para gerar a dedução integral do valor, no imposto devido da empresa. Em síntese, querem doar com o dinheiro dos outros, neste caso, dinheiro público!
Nem entremos nos interesses escusos que muitas vezes motivam essas doações. Mesmo que hajam os mais honestos interesses, porque motivos reconheceríamos o direito de um empresário direcionar o uso de recursos que não seriam seus? É o conselho que tem esse papel!
Alegam, os defensores desta modalidade, que essa é a forma de obterem recursos em seus fundos, que do contrário não conseguiriam. Esse argumento, que é verdadeiro, é a prova de que se trata de prostituição! Vários lugares, quando começaram as doaçães casadas passaram a ter umm saldo altíssimo em seus fundos, que antes não tinham. Há entidades que contratam equipes para captar recursos nas empresas, usando o canal dos conselhos através deste sistema.
Há diversos problemas nisso, vou abordar agora apenas alguns deles. Seguindo este modelo, as entidades mais bem estruturadas, com equipes bem montadas e com contatos com as elites econômicas, obterão mais verbas e continuarão crescendo. Aquelas que estão em maior precariedade, nem equipe qualificada tem, mas realizam um trabalho sério nas comunidades, jamais receberão recursos. O conselho avalizaria essa injustiça!
Alguns propuseram, e a resolução do CONANDA contém essa proposta, uma meia sola: o conselho reteria um percentual (20 ou 30%) para fazer o uso que bem entenda e com isso beneficiaria as entidades mais precárias. Essa é uma situação patética! Parece o argumento usado uma vez pelo Paulo Maluf em defesa da pena de morte para o estupro seguido de morte, quando ele disse a pérola: "Quer estuprar, estupra, mas não mata!"
A proposta do CONANDA contém ainda uma sistemática pela qual o conselho elaboraria um documento com as linhas de ação prioritárias e, baseadas nele, as entidades elaborariam projetos. Os projetos que atingissem determinado grau de qualidade e atendessem ao critério do conselho, receberiam a "chancela" para captar recursos na iniciativa privada, aos moldes das leis da cultura. Essa é apenas a sofisticação do mesmo processo. Na cultura já uma lástima, vamos repetir o erro no FIA? Vejam a dificuldade que tem um grupo cultural iniciante para elaborar o projeto e conseguir um selo da lei Roanet e depois mendigar recursos nas empresas. Provavelmente não conseguirão, apesar da qualidade e da importância do que façam. O empresário está com o poder de escolher a alternativa cultural que será beneficiada com recursos que não são seus, são públicos. Depois disso observem a facilidade de qualquer ator global para obter recursos via lei Roanet. Independente da qualidade do trabalho destes, é inegável que dará muito mais visibilidade ao apoiador, que é seu objetivo. Fazer isso com projetos sociais é um crime gravíssimo que não pode ser tolerado!
Não estou me referindo a eventuais desvios que tanto uma como outra forma podem ter. Trata-se do próprio modelo que legitima a interferência da iniciativa privada numa decisão pública a ser financiada com verba pública. Se o empresário quiser apoiar um projeto, ou uma entidade específica, que o faça e isto deve ser bastante valorizado. Ocorre que deve fazê-lo do próprio bolso e não com o recurso público!
É lamentável que o CONANDA e muitos outros conselhos se deixem seduzir pelo aceno da sereia da doação casada e abram mão do poder que legitimamente lhes foi outorgado. Definir linhas de ação e prioridades é só o começo do processo. Os conselhos não podem ter indicações, direcionamentos, carimbos ou quaisquer formas de interferência na gestão do FIA. Devem respeitar os parâmetros legais da probidade, transparência e impessoalidade sem jamais abrir mão de exercer esse poder! Doação casada é prostituição!

3 comentários:

Sidiney disse...

Faz tempo, que a cultura sofre com essa prostituição.

É uma lastima, ver que conselheiros de direitos, compactuam com tal termo corretamente observado. "Prostituição".

Acaba com o fundo e manda direto pro governo. E tenho dito.

Anônimo disse...

Muito bem escrito. ...E entra na mesma linha do politiqueiro que, por vias suspeitas, "consegue" dinheiro público - para algumas ações públicas e até privadas - e quer levar a fama de "bonzinho".

Até concordo com a opção de um certo "direcionamento" para benefícios sociais com criança e adolescentes - mas que as entidades públicas efetivassem a distribuição e bem fiscalizada.

Anônimo disse...

Acerca da polêmica criada, principalmente, pelo MP, quanto a "doaçao casada" o que não podemos perder de vista é que o Conselho de Direitos (estadual ou municipal) nao perde seu poder decisorio quando autoriza a entidade que apresentou, e teve seu programa/projeto aprovado em conformidade com o Edital e com o ECA. O programa/projeto foi aprovado, a entidade que o apresentou é autorizada a sair na busca do recurso (que o Conselho nao dispõe). Portanto, uma interpretação extensiva nao nos remete ao entendimento de que a empresa/doador indica o projeto/progama, o doador foi procurado, ele sequer tinha conhecimento de tal projeto/programa. Entao, como podemos afirmar que o doador indica projeto/programa de seu interesse? O mérito náo é nada disso, é somente vaidade do MP, que, precipitamente, tem dado inicio ao(s) ICP. O doador nao indica nada, ele foi procurado para doar. Ademais, nos Conselhos em que tal mister tem ocorrido, o percentual que fica no Fundo tem atendido outros projetos/programas que até entao nao seriam realizados por falta de recursos. Portanto, considerando o principio da prioridade absoluta nas politicas voltadas para a infancia e a juventude, da razoabilidade, entendo, em uma analize de cognição aumentada, que nao há qualquer irregularidade dos Conselhos autorizarem as entidades que apresentam programas/projetos voltados para à infancia e a adolescencia sairem em busca do recurso. Ou será que o MP prefere um Conselho engessado, sem recursos que viabizem efetivar dos direitos das crianças e dos adolescentes