terça-feira, 21 de junho de 2011

"Ele nega as acusações"

Agora há pouco eu lia uma matéria jornalística na qual uma pessoa era acusada de um crime e onde, por parágrafos e mais parágrafos se detalhava o "suposto" crime cometido pelo "suposto" criminoso. Ao final do texto, como que para cumprir um ritual profissional, uma espécie de "outro lado", afirmava que o acusado nega as acusações.
Fiquei imaginando o sorriso cínico do jornalista ao escrever estas palavras... Depois de deitar e rolar, incluindo aí o exercício da criatividade das insinuações, acusações anônimas ou identificadas, pareceres genéricos de especialistas, recursos gráficos e notas explicativas, do tipo "entendendo o caso", onde em poucas linhas se tinha a montagem do raciocínio recomendado para a história, um ". "resumo executivo"; ele insere a praxe que o isenta de uma eventual cobrança por suas leviandades.
Estava lá, escrito no próprio texto, nem precisava nem adiantava pedir direito de resposta. O acusado foi ouvido. Por óbvio, negou as acusações, tanto faz se por ser inocente e ter todos os motivos para contestar cada item apontado, ou se por ter praticado o crime e não querer confessá-lo. A segunda hipótese ficará soando na cabeça do leitor, ou expectador. "Ele fez e agora ainda tem a cara de pau de negar as acusações!"
Com que prepotência um sujeito comete tal assassinato de reputação? Tendo ou não cometido um crime, quem confere ao jornalismo o direito de impingir à pessoa tal detratação? Em algum momento, algum regulamento, escrito na forma de lei ou não, definimos que vamos enxovalhar aquele que cometer um crime? Queremos ver a pessoa exposta aos olhos devoradores da população, guiados pelos escrúpulos dos jornalistas?
E se um dia, com ou sem motivo, tiveres a desgraça de ser o acusado. De repente, nem sei por que circunstância, ficar no olho do furacão da notícia, acusado de ter cometido um crime? Suponhamos os motivos mais vís, apenas para estabelecermos uma referência. De caso pensado, por uma vingança pessoal, por exemplo, alguém procura um jornalista (ou até por iniciativa própria de um deles) e o acusa de ter tramado a morte dos pais para ficar com uma herança. Imaginou o horror que poderia ser montado e o inferno que isso iria transformar a tua vida? Não seria difícil construir um enredo convincente. Observe que não se está afirmando que matou os pais, porque isso seria facilmente desmascarado. A acusação tem um grau de insinuação de difícil comprovação e, por implicação, difícil contestação. Dizer "mas eu não fiz isso", não convenceria ninguém. Responder que ao acusador cabe o ônus da prova, como diz a máxima jurídica, seria o quase um equivalente a uma confissão na próxima "reportagem" ou na edição seguinte do periódico.
Vejam bem, não estou fazendo uma acusação concreta a um jornalista, o que implicaria em ter que provar a má-fé, mas estou chamando à nossa reflexão o risco que corremos na forma que estamos procedendo. É fundamental a liberdade de expressão como garantia da democracia. A censura, por menor que seja, é uma agressão, mas é indispensável um mecanismo mais agudo para cobrar a responsabilidade da imprensa. Que não se fale em imposição de "auto-censura" na medida em que a penalização do jornalista teria que seguir todo o trâmite judiciário. Se este não é adequado ou suficiente, não tem sido para todos, especialmente para aqueles que não tem recursos para pagar um advogado-celebridade, para não falarmos em "bons advogados", que implicaria em acusar os demais de não serem tão bons. Para fazer uma boa defesa, bem fundamentada, com dedicação é mesmo necessário cobrar a fortuna exigida por algum deles? O que justifica o valor, que não a grife de sua assinatura?
Eu sinceramente espero nunca estar na pele de alguém sub-julgado a negar acusações. Não há crueldade maior do que daquele que tem a certeza da impunidade!

2 comentários:

Sidiney disse...

Oremos pra não ser acusados... ou lutamos por marcos legais da escrita.

Aurimar Pacheco disse...

Há muito essa imprensa macabra assumiu de vez seu vício autoritário, justiciador e covarde.
Não será mais possível somente acusar o dono do veículo. Trata-se também de uma idiossincrasia do jornalista e seus obscuros interesses. Um nojo só, travestido de jornalismo.
No cerne de minhas orações, serão vomitados por Deus.