domingo, 13 de julho de 2008

Aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente: 18 anos

Hoje o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8069/90) completa 18 anos. É tempo, como em todos os anos de fazer um balanço de sua implementação. Os Conselhos de Direitos e tutelares foram implantados em quase todos os lugares, mas estão longe de cumprirem seus papéis. A violência contra a criança e o adolescente tem aumentado e as medidas para enfrentá-la têm surtido poucos resultados. Os adolescentes cada vez mais estão se envolvendo com atos infracionais e as medidas sócio-educativas quase nunca são aplicadas e, quando o são, têm o caráter meramente punitivo sem promover a superação do quadro que levou a tal atitude. Os abrigos cada vez mais estão lotados e em pouquíssimos casos esta medida é justificada. Na maioria esmagadora dos casos trata-se de uma família em situação de miséria o que não pode ensejar o abrigamento senão que o socorro do Estado para que supra as necessidades de seus filhos. As entidades da sociedade civil ainda atuam de maneira fragmentada e quando participam do sistema de gestão participativa, geralmente estão movidas por interesses corporativos. Os órgãos públicos responsáveis pelas políticas setoriais ainda lidam com o tema como “questão do menor” e a delegam quase que exclusivamente ao setor responsável pela assistência social. As políticas públicas ainda são executadas de forma fragmentada e não priorizam as crianças e adolescentes. Na confecção do orçamento público não é feira a clivagem das despesas que atendem aos direitos da criança e do adolescente para verificar a primazia dos recursos, como determina a Constituição e especifica o Estatuto.
No final das contas, depois de analisarmos todos estes elementos parece difícil se ter uma avaliação positiva deste período. É razoável que alguém mais desavisado, diante disto tudo conclua que não valeu a pena tanto esforço pela aprovação e implementação de uma lei. Trata-se de um equívoco que precisa ser desfeito e nestas horas, é ainda mais importante que retomemos as questões fundamentais do tema.
O Estatuto não contém apenas regras para a atenção à criança e ao adolescente mas sim um conjunto de ações e princípios que exigem a revisão completa dos valores e estruturas de nossa sociedade. Isto é tarefa para algumas gerações e não pode ser avaliado no curto prazo. A idéia de co-responsabilidade entre família, sociedade e poder público pela garantia dos direitos contém o gérmen de um novo horizonte de relacionamentos, ainda distante de nossas possibilidades atuais. Exige um sentido de respeito à diversidade, reciprocidade e comprometimento com a coletividade que são o avesso da cultura vigente.
Um bom ponto de partida para uma avaliação é que cada um considere a maneira que concebe, hoje, uma criança ou adolescente em comparação com a maneira que o fazia quando da aprovação do Estatuto. Até que ponto se relaciona com ela como um sujeito, e mais um sujeito de direitos? Isso não é tão simples como pode parecer. Trata-se de reconhecê-lo na relação – guardadas as devidas proporções de linguagem e experiências – enquanto titular legítima de vontades, opiniões e valores. Até que ponto dedica-se com prioridade absoluta à construção da sociedade proteja integralmente a vida humana, encarnada nas futuras gerações? O imperativo de prioridade não é apenas institucional. Para se concretizar precisa abarcar a todos em todas as dimensões. Isto não equivale a dizer que todos tenham que trabalhar diretamente com o tema. A prioridade não é o atendimento à criança e ao adolescente, mas a garantia de seus direitos. Isto significa trabalhar pela construção do ambiente de desenvolvimento integral que lhes é devido, qualquer que seja a atividade profissional que desempenhemos. Até que ponto cobra dos outros, pessoas e instituições, o respeito às regras estatutárias? Não basta cuidar de si, fazer a sua parte. A construção do Estatuto é tarefa complexa e, portanto, fruto de um grande mutirão. Muitas mãos, fazendo juntos. Se o outro não o fizer, de pouco valerá o esforço de um. A cobrança é tão importante quanto o próprio engajamento. Cobrar do outro sem autoritarismo, talvez seja um dos mais árduos desafios de um tempo que idolatra o individualismo.
Esta é apenas uma das dimensões que precisa ser abordada na análise deste período. Certamente as instituições públicas não podem deixar de ser observadas em seus avanços e retrocessos na implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Trata-se, tão somente, de dimensionar corretamente o desafio para não cair na conclusão fácil de que ainda não saiu do papel. O que está no papel, na forma de uma lei, é apenas um extrato da nova sociedade a ser construída ao longo de algumas gerações. As conquistas até o presente foram menores que as esperadas ou talvez esperássemos mais do que era possível. Encontramos muitos adversários neste caminho e o pior erro que alguém pode cometer é subestimá-los. É hora de renovar o fôlego e retomar a empreitada, sabedores que não alcançaremos a plenitude de sua realização, mas certos também, que a contribuição com este processo pode justificar uma existência e, sem ela, jamais tão ousada meta será atingida.

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