sexta-feira, 23 de maio de 2008

Sobre o Processo Judicial

É realmente muito difícil para nós, reles mortais, entendermos a lógica do processo judicial. O caso do assassinato da Irmã Dorothy Stang no Pará é um emblemático exemplo disso. O primeiro julgamento teve um desfecho ao mesmo tempo previsível e pífio. A condenação era esperada, mas a pena pareceu pequena, dados os agravantes da situação. 30 anos de reclusão, para uma execução naquelas circunstâncias, considerando a reduções de pena durante seu cumprimento, podem resultar em algo em torno de cinco anos de cárcere, dos quais três já se passaram. Não que uma pena longa traga qualquer impacto na segurança pública, tampouco que se deva dar trela à ira de vingança dos “justiceiros”. O ponto central é aparentemente os réus obtiveram apenas o suficiente para garantir um novo julgamento, já com o clamor público reduzido pelo passar dos anos. Na segunda rodada, acontecida agora, o júri popular absolveu o suposto mandante por falta de provas. Claro que cabem sempre infinitos recursos, tanto para os réus quanto para o Ministério Público, que persegue a condenação dos réus e é o autor da avaliação de que a pena do primeiro julgamento fora pequena. Quantas vezes, portanto, o ritual de julgamento precisa ser repetido para que um réu que tenha dinheiro seja condenado? Claro que os casos comuns se resolvem no primeiro, as defensorias gratuitas não costumam ter ânimo para fazer recursos consistentes, quando muito cumprem o formalismo de encaminhar um documento pré-fabricado, do qual já sabem o resultado. Não que os recursos devam ser eliminados, como querem alguns mais afoitos. A questão é apenas a intricada lógica dos processos, um quebra-cabeça que não é qualquer advogado que domina. Se para os operadores do direito é complicado, para a população, que é diretamente interessada no assunto, fica quase impossível.

Como sair desse impasse? Garantir o direito a ampla defesa, incluindo os recursos que sejam necessários, viabilizar a aplicação da justiça de forma eficiente e o mais rápida possível, e possibilitar o acompanhamento público do processo judicial e por último e mais difícil, diminuir o poderio econômico e os interesses político-ideológicos nos processos judiciais. Não são poucas coisas nem podemos ter a pretensão de tê-las resolvido tão cedo. Podemos apenas acrescentar alguns pitacos:

Uma primeira sugestão é incluir na educação formal, noções de justiça, as instituições e o processo judicial. Não como uma disciplina nova, mas como um conteúdo a ser abordado com os estudantes, mesmo que de maneira introdutória. Estaríamos investindo em uma nova cultura de justiça para as gerações futuras.

Uma segunda proposta é a revisão do código de processo penal, não para eliminar os recursos, simplesmente, mas para avaliar a lógica e os prazos dos mesmos com o objetivo de tornar o mais rápido e simples quanto possível. Certamente hoje ele não está no limite disso.

Outra medida necessária e até já iniciada, ainda que de maneira tímida, é a aplicação intensiva de tecnologia nos mecanismos de justiça. Eliminar etapas da tramitação, quantidade de papéis e usar todas as ferramentas de informação quem possam agilizar o processo são providências necessárias para que o aparato judicial chegue ao final do século XX, quase alcançando os dias atuais, portanto, o que já seria grande coisa.

A última e mais delicada questão diz respeito aos interesses diversos que atravessam a aplicação da justiça. Não é de hoje que sabemos o quanto nossas instituições de justiça se dirigem apenas aos “ladrões de galinhas”. Milhares de estudos já apontaram os fatores racial e econômico como determinantes do resultado dos processos. Para quem tem grana, a maior parte das vezes trata-se apenas de um enfadonho ritual a que são submetidos alguns para salvar os outros, mais espertos ou que abocanharam a maior fatia do bolo. Um exercito de advogados e demais operadores do direito vivem neste meio, lucrando e se divertindo com a dramatização roteirizada pelas leis. Data vênia, é preciso sempre ressalvar uma honrosa minoria que tem uma preocupação autêntica com o cumprimento de princípios de justiça, que se escondem por detrás dos ritos e papéis.

O controle externo do poder judiciário é um monstro com mil cabeças, que aterroriza os sonhos de muitos de seus operadores. O cheiro de censura ou de cerceamento da capacidade de julgar outorgado aos juízes é apontado como ameaça certa de seus proponentes. Em resposta a esta pressão foi criado o Conselho Nacional de Justiça, integrado pelos operadores do direito (juízes, promotores e advogados) com a finalidade de monitorar o funcionamento e julgar supostos desvios na aplicação da justiça. Isso não se equipara ao controle externo, pretendido para todos os níveis, mas é um pequeno aprimoramento do processo.

Ainda que funcionasse exemplarmente, este mecanismo não conseguiria diminuir os efeitos do poderio econômico sobre os processos judiciais. A diferença que faz um advogado de renome e alta remuneração contra um recém formado em uma das inúmeras faculdades de direito caça níqueis, ou a sobrecarregada defensoria pública – ainda inexistente em Santa Catarina, por incrível que pareça – é escandalosa. O uso da imprensa de maneira lícita ou não, como elemento de pressão e mesmo de produção de indícios a serem incluídos nos processos, também fogem ao alcance deste colegiado, por exemplo. O fato é que não podemos abordar o processo judicial como se fora um elemento à parte da nossa desigual composição social, nem tampouco, usar isso como justificativa para deixar que ele reproduza os vícios de poder existentes na estrutura econômica. Cabe-nos procurar compreender seu funcionamento e inventar alternativas para aprimorá-lo constantemente, em busca do dia em que o processo judicial se aproxime ao máximo do que conseguirmos firmar como princípios de justiça.

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